terça-feira, 8 de setembro de 2020

LIVROS DA MINHA BIBLIOTECA


 LIVROS DA MINHA BIBLIOTECA 

José Maurício Guimarães

(em homenagem à memória de Arnaldo Xavier)

ROLAND EDIGHOFFER, professor emérito da Universidade de Paris III (Sorbonne nouvelle), dirigiu também o “Institut d'Allemand” de Asnières (Hauts-de-Seine) até sua aposentadoria em 1991. Especialista em Hermetismo e Rosacrucianismo, editou a revista Aries2 (Leyde, Brill) com Antoine Faivre e Pierre Deghaye. Antes de ser professor nas universidades de Paris, foi professor associado de alemão no ensino médio, notadamente no "Lycée Pasteur" em Neuilly-sur-Seine e na também Universidade de Rouen, Centro de Estudos e Pesquisas Austríacos. Roland Edighoffer vive ainda, com 93 anos em Neuilly-sur-Seine. Neste livro, Roland Edighoffer analisa a sociedade ideal segundo Johannes Valentinus Andreae. 

Johannes Valentinus Andreae é hoje considerado o autor desses textos surgidos no Século dezessete (os Manifestos). Nascido em 17 de agosto de 1586 e morto em 27 de junho de 1654, Valentinus Andreae foi um teólogo alemão de sólida formação luterana. Assim como Lutero concretizou os ideais de reforma do Cristianismo, Johannes Valentinus Andreae veio propor uma REFORMA da sociedade com bases Cristãs. Andreae foi um membro proeminente do movimento utópico protestante que começou na Alemanha e se espalhou pelo norte da Europa e na Grã-Bretanha sob a orientação de Samuel Hartlib e John Amos Comenius.

Precisamente por se tratar de um romance (de um conto mesmo, à maneira de de Chrétien de Troyes* a Goethe**), as características literárias a a estrutura dos textos rosacrucianos vão além do aspecto estritamente simbólico (alquímico). Regine Frey-Jaun lançou luz sobre esse assunto em 1989, ao considerar a "Festa de Casamento" (Bodas Alquímicas de Christian Rosenkeutzer) como uma parábola (alquímica), um texto literário com estrutura narrativa coerente e “uma intenção específica”. O estudo das ligações entre espiritualidade e criação literária também merece interesse, a fim de entendermos os textos dos chamados “Manifestos” como uma história anônima na qual se reflete uma experiência subjetiva que há séculos contribui para gerar uma dinâmica referente a uma "comunidade simbólica" (a Rosa-Croix), possuidora de um "Canon" (conceito, regra concernente à fé, à disciplina religiosa ou conjunto dos livros considerados de inspiração divina)

O método iniciático está descrito, de forma simbólica, no texto conhecido como “Chymische Hochzeit Christiani Rosencreutz anno 1459” (publicado em 1616, em Estrasburgo). A data 1459 faz parte do título da obra, daí muita confusão sobre as edições serem do século quinze ou do século dezessete. Noutras palavras: é um texto de 1616 contando uma história passada em 1459. Em Inglês, foi editado como “Chymical Wedding of Christian Rosenkreutz, 1459” e em português, “O Casamento ‘quimico’ de Christian Rosencreutz em 1459”. É uma das três obras fundamentais do rosacrucianismo, uma lenda e um fenômeno cultural que permaneceu em moda em toda a Europa naquele período.

O foco desse movimento era a necessidade de educação e o incentivo às ciências como chave para a prosperidade das nações (estados nacionais, na época). Mas, como muitos movimentos da Renascença, as ideais científicas eram frequentemente veiculadas pelo viés do hermetismo, do ocultismo e mediante conceitos neoplatônicos. As ameaças e acusações de heresia, impostas por rígidas autoridades religiosas (protestantes e católicas), e o clima intelectual reinante forçaram esses ativistas a se esconderem atrás de sociedades secretas fictícias e escreverem anonimamente suas ideias, enquanto reivindicavam acesso à "sabedoria ancestral secreta" (sabedoria que eles mesmos sabiam estar inacessível). O mesmo se deu, evidentemente, no campo da maçonaria – e essa pode ser a chave que os estudiosos da maçonaria perderam ao tentar estuda-la.

O “Chymische Hochzeit Christiani Rosencreutz anno 1459” foi editado em 1616, em Estrasburgo. Sua autoria permaneceu anônima até meados dos anos 1900, mas hoje é sabidamente atribuída a Johann Valentin Andreae. O “Casamento” é descrito como o terceiro dos manifestos originais da misteriosa "Fraternidade da Rosa Cruz" (os rosacruzes), embora seja marcadamente diferente do “Fama Fraternitatis” e do “Confessio Fraternitatis”, tanto no estilo com no assunto. Nenhum estudante sério do método de simbolismo rosacruciano ou maçônico conseguirá ir muito longe em seus estudos sem uma leitura crítica desses três documentos.

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* Chrétien de Troyes (c. 1135 – c. 1191) foi um poeta e trovador francês do final do século XII. Foi um dos primeiros autores de romances de cavalaria, sendo também considerado o primeiro grande novelista em língua francesa. Suas obras inspiraram a literatura em toda a Europa Ocidental durante a Idade Média.
** "Fausto", protagonista de uma popular lenda alemã, considerado símbolo cultural da modernidade.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A PERGUNTA DO MAÇOM

A PERGUNTA DO MAÇOM

                                                         José Maurício Guimarães

Vou contar uma história que servirá como ponto de partida para

nossas reflexões.

Pouco antes de morrer, no leito do hospital onde estava internada, Gertrude Stein de repente abriu os olhos e disse:

“Qual é a resposta?”

Um de seus amigos que lhe faziam companhia aproximou-se e disse:

“Mais Gertrude..., se você não disser qual é a pergunta, como vamos lhe dizer qual é a resposta?”

Gertrude Stein arregalou os olhos e retrucou:

Então, qual é a pergunta?

 

************

A Maçonaria nas Lojas, nas Potências e principalmente na internet está cheia de respostas. Temos respostas e professores para tudo. Deixamos de ser uma Ordem de homens em busca da verdade para sermos um ringue (uma rinha de galos) onde curiosos se digladiam na defesa de minúsculas “certezas” ou na defesa de cargos e posições.

Apesar de todos os esforços, ainda não alcançamos nossas pretensões, pois não sabemos ao certo o que estamos buscando. Não sabemos QUAL É A PERGUNTA.

Proliferam-se os Ritos, as Ordens, os paramentos, as cores e os aventais, os colares e os chapéus. Mas não sabemos QUAL É A PERGUNTA.

É premissa ou axioma de que o homem só encontra algo se souber o que está procurando.

Diz o velho ditado: “quem tem boca vai a Roma”, ou seja: para encontrar o caminho que leva a Roma, você tem que PERGUNTAR: “onde está Roma? Como faço para chegar até lá? Onde é Roma?” – seja no sentido literal e arcaico (quando viajantes andavam pelas estradas perguntando aos transeuntes e em cada estalagem), seja no sentido moderno: quem quiser ir a Roma hoje, terá que PERGUNTAR nas agências de turismo ou nas empresas de transporte sobre o preço e as datas das partidas aéreas ou marítimas. Um turista que não sabe QUAL É A PERGUNTA sobre a viagem que quer fazer, não chegará a lugar nenhum. Digo mais: para bem chegar a Roma, é importante pergunta-se antes: “o que é Roma?

Voltemos nossa atenção para 2.400 anos atrás; ouçamos o que disse Platão no Diálogo “Górgias”:

É vergonhoso que, estando na situação em que evidentemente estamos, tenhamos a pretensão de crer que somos algo – nós que nunca temos certeza, nem opinião permanente acerca das mesmas coisas e questões; e o que é pior: não temos certeza nem opiniões a respeito de questões de suma importância”.

 

Todos nós, em sendo bons buscadores, já lemos ao menos uma das obras de Platão; sabemos, portanto, que o personagem central dos Diálogos de Platão é Sócrates, filósofo ateniense que viveu de 469 a.C. – 399 a. C.

Sócrates não tinha respostas prontas, pois afirmava só saber que nada sabia. Seu método consistia na investigação (pesquisa filosófica) mediante diálogos (contato e discussão entre dois ou mais indivíduos). Nesses diálogos, os participantes alcançavam, por si mesmo, um nível de reflexão e descoberta dos próprios valores (ou “verdades”). O método socrático partia de perguntas simples com o objetivo de revelar, primeiramente, as contradições na forma usual de pensar; em seguida, com perguntas mais aprofundadas, os participantes eram levados a pensar POR SI MESMO e alcançarem valores fundamentais (metafísicos) e, eventualmente, o autoconhecimento.

Para terminar, uma anedota que ilustra bem uma outra questão: o conhecimento diante da consciência da nossa própria ignorância.

Diante de um grupo seleto de alunos, Sócrates proclamou:

– Só sei que nada sei.

– Mas Sócrates, objetou um discípulo, se você não sabe nada, como sabe que nada sabe?

Ao que Sócrates respondeu tranquilamente:

– Minha mulher me disse...


 

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

20 DE AGOSTO: O DIA QUE NÃO É

20 DE AGOSTO: O DIA QUE NÃO É

                                     José Maurício Guimarães  

Há mais de 15 anos venho publicando este mesmo artigo sobre o DIA DO MAÇOM. A pergunta inicial seria: “por que celebram o dia 20 de agosto como “dia do maçom”?

Essa extravagante comemoração em 20 de agosto foi adotada a partir de um equívoco cometido por José Maria da Silva Paranhos que interpretou mal as datas ao desconsiderar a relação entre o calendário oficial e o cômputo dos dias adotado pela Maçonaria. A patusca desordem teria parado nessa “cronologia” se infundadas decisões não viessem somar-se às já anteriormente existentes.

Antes porém, vejamos o que diz a história recente sobre o "Dia Internacional do Maçom" instituído em data de 22 de fevereiro de 1994.

Por ocasião da Reunião Anual dos Grão-mestres das Grandes Lojas da América do Norte, realizada nos dias 20, 21 e 22 de fevereiro do ano de 1994, o Grão-Mestre da Grande Loja Regular de Portugal, Irmão Fernando Paes Coelho Teixeira, sugeriu que no dia 22 de fevereiro fosse comemorado o Dia Internacional do Maçom em homenagem à data de nascimento de George Washington. Conta-nos o Irmão Pedro Juk que, naquela ocasião, na presença das Grande Loja Unida da Inglaterra, Grande Loja Nacional Francesa, das Filipinas, GL Regular da Grécia, de Portugal, Grande Oriente do Brasil, Grande Oriente da Itália, etc. “houve a concordância de que ficasse estabelecido, a partir daí o Dia Internacional do Maçon em 22 de fevereiro homenageando assim o Irmão George Washington, fato que seria então comemorado por todas as Obediências Regulares”. Isso aconteceu, portanto, 26 anos atrás e, não obstante, ainda nos mantemos turrões celebrando o 20 de agosto.

Mas de onde veio essa ideia? Há 15 anos eu demonstro o porquê, apesar de os simplórios me acusarem de “querer mudar a data” ou de me preocupar com “irrelevâncias”. Nem uma coisa nem outra: não quero mudar nada, eu sou um mero estudioso; quanto a irrelevâncias, quem não as cultiva? Portanto, para não perder o antigo hábito, aqui vai, de novo e pela décima-sexta vez a demonstração de que 2+2 somam 4.

SOBRE OS CALENDÁRIOS: No século dezenove a Maçonaria adotava oficialmente o ano da Verdadeira Luz - Anno Lucis ou Year of Light - conforme a crença de que o mundo fora criado em 4000 a.C. ou que nesta auspiciosa data a Luz Verdadeira teria sido conferida a Adão. No século dezenove, nossos Irmãos contavam os meses e dias de acordo com o calendário “da natureza”, começando o ano em Nissan, mês que marca o início da primavera no hemisfério norte e outono no sul. No calendário judaico, os meses podem ter 29, 30 ou 31 dias dependendo da lua nova. Por isso as festas são móveis: Korban Pesach, Shavuot, Rosh Hashanah, Yom Kippur, Hanukkah, etc. e, pela mesma tradição, a Páscoa católica é celebrada no primeiro domingo seguinte à primeira lua cheia eclesiástica que ocorre no dia do equinócio de primavera ou o seguinte a ele; o Corpus Christi vem 60 dias depois da Páscoa e assim por diante.

SOBRE AS DATAS: Entre os dias 17 de junho e 25 de outubro de 1822 foram realizadas dezenove sessões no Grande Oriente Brazílico (assim era o nome, com z). Entre elas, a do VIGÉSIMO DIA DO 6º MÊS DA VERDADEIRA LUZ DE 5822, ou seja – no dia 9 de setembro de 1822. O sexto mês, a contar de Nissan, é Elul, na passagem de agosto para setembro. Já o ano 5822 é a soma de 4000 Anno Lucis ao ano civil 1822. Nessa célebre sessão de 9 de setembro de 1822 (vigésimo dia do 6º mês da verdadeira luz de 5822) os Irmãos, sem terem tomado conhecimento do que acontecera em São Paulo dois dias antes (7 de setembro), atenderam à moção do Irmão Joaquim Gonçalves Ledo (Primeiro Vigilante empunhando o primeiro o malhete na ausência do Grão-Mestre José Bonifácio de Andrada e Silva) e proclamaram, em Loja, a Independência cuja legalização iriam submeter e atribuir a D. Pedro. Naquele tempo, a distância entre o Ipiranga (São Paulo) e o Rio de Janeiro era de aproximadamente 7 a 9 dias a cavalo da raça quarto de milha. Mas, as notícias vinham nos lombos de simples mulas! Podemos dizer, portanto, que a proclamação da Independência foi intelectualmente articulada dentro do Grande Oriente Brazílico. Mas, o vibrante discurso do Irmão Gonçalves Ledo, fazendo sentir a necessidade da Independência, aconteceu no dia 9 de setembro. O grito já havia sido dado. Ledo e os demais Irmãos só tomaram conhecimento disso mais tarde.  SOBRE A CARTA: Conta-nos o padre Belchior, em carta de 1896, que no dia 7 de setembro de 1822, o Príncipe D. Pedro mandou-o ler em voz alta as cartas trazidas de Portugal. Ali mesmo, às margens do Ipiranga, tremendo de raiva, D. Pedro arrancou das mãos do padre os papéis e, amarrotando-os, pisou-os sobre a relva. “D. Pedro – diz textualmente a carta - caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro e outros, em direção aos nossos animais, que se achavam à beira da estrada. De repente estacou-se, já no meio da estrada, dizendo-me: - Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me, com desprezo, de rapazinho e brasileiro. Pois verão agora o quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações: nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal! E arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas Cortes, como símbolo na nação portuguesa, atirou ao chão, dizendo: - Laços fora, soldados! Viva a independência, a liberdade, a separação do Brasil.” E - prossegue o padre Belchior – “galopou, seguido de seu séquito, em direção a São Paulo (...) mal apeara da besta, D. Pedro ordenou ao seu ajudante de ordens que fosse às pressas ao ourives Lessa e mandasse fazer um dístico em ouro, com as palavras “Independência ou Morte”, para ser colocado no braço, por um laço de fita verde e amarela.” (O G.O.B. tornou público e oficial o Ato que mostra ser o 7 de setembro correspondente ao 18º dia do VI mês Elul.)

MÁRIO BEHRING DEFINE E UNIFORMIZA AS DATAS: Em Ato de 1922, ano do centenário da Independência e do Grande Oriente do Brasil, o então Grão-Mestre Geral do G.O.B., Irmão Mário Behring, visando dirimir dúvidas sobre a relação das datas do calendário oficial e o cômputo dos dias adotado pela Maçonaria, definiu os principais eventos do calendário usado na época da Independência, quando o ano maçônico começou em Nissan, finais de março. Eis alguns excertos na grafia da época: (...) 5º - Iniciação do Principe Regente como maçon, na Loja “Commercio e Artes” a 2 de Agosto de 1822, da E.: V.:, 13 do V mez do anno de 5822, da V.: L.:, donde resultou sua mais intima ligação com a Independencia, como se verifica do seu manifesto de 6 do mesmo mez; 6º - O grito de Independencia ou Morte, dado pelo Principe Regente nas margens do Ypiranga, 7 de Setembro de 1822, da E.: V.:, 18 do VI mez do ano de 5822, da V.: L.:, e proclamação da Independencia votada nas sessões do Grande Oriente do Brasil a 9 e 12 de setembro do mesmo mez e por editaes do Senado e da Camara do Rio de Janeiro, de 21 do dicto mez e anno; 7º - Finalmente, a posse do Principe Regente como Grão Mestre da Maçonaria no Brasil, a proclamação do Imperio e a aclamação do Principe a Imperador Constitucional do Brasil e seu Defensor Perpetuo, a 4 de outubro de 1822, da E.: V.:, 14 do VII mez do anno de 5822, da V.: L.:, e designação do dia 12 do mesmo mez (22-VII-5822) para se tornar publico e official esse acto”.

CONSUMAÇÃO DO ERRO:

Apesar dessa clareza, o Irmão Osvaldo Teixeira, da Loja “Acácia Itajaiense” de Santa Catarina encaminhou, de boa-fé, uma proposta à reunião da Confederação das Grandes Lojas – realizada em Belém entre os dias 17 e 22 de junho de 1957 – sugerindo o dia 20 de agosto como “Dia do Maçom” por ter sido a data da “proclamação da independência dentro de um templo maçônico”. Equivocou-se. Mas os presentes à reunião, talvez desconhecendo o Ato do então Grão-Mestre do G.O.B. – e posterior fundador das Grandes Lojas, Irmão Mário Behring – aceitaram, na febre do entusiasmo e também de boa-fé, seguindo a interpretação canhestra de José Maria da Silva Paranhos. Acertaram quanto ao mês (Nissan = agosto/setembro), mas erraram ‘quadraticamente’ sobre o vigésimo dia. Num ímpeto de desatenção, esqueceram que Nisan não começa em 1º de março, e sim no equinócio de outono entre 20 e 23 de março conforme a lua. Por falta de estudo e bom assessoramento (como sempre) ficou consagrado o erro de vinte dias pelos motivos assim demonstrados. Hoje, as potências brasileiras consideram o dia 20 de agosto como “o dia do Maçom”, data que não coincide com os fatos históricos nem com a tradição maçônica. 

Sei que estas considerações poderão provocar polêmicas intermináveis, mas não é este o meu propósito. Apesar disso, aceito quaisquer correções que me enviarem com base em dados históricos e/ou documentos. De fato, só existem dois caminhos a seguir: 1) a coragem e a “modesta altivez” de corrigir o erro e definirmos uma data coerente para as celebrações do dia do Maçom ou 2) deixar tudo como está. Se a tradição consagrada nesses últimos 53 anos é mais importante do que a transmissão da verdade histórica para as futuras gerações, que seja assim. 

 

domingo, 16 de agosto de 2020

SOMBRAS MAÇÔNICAS

 

SOMBRAS MAÇÔNICAS
José Maurício Guimarães
Aos poucos, sem nos conscientizarmos completamente sobre o que realmente está acontecendo, vamos caminhando segundo semestre de 2020 adentro; e já são quase seis meses sem o funcionamento normal das Lojas Maçônicas.
Quanto perdemos com isso? Há os que dizem não termos perdido nada, a não ser umas 30 ou 40 sessões maçônicas e, com elas, umas doze cerimônias de Iniciação, Elevações, Exaltações...; no bojo, lá se vão as eleições com aquilo que elas têm de mais salutar para a vida maçônica: o debate e o contraditório.
Não quero falar de possíveis futuras evasões, nem das questões financeiras que pode advir (ou que já estejam se instalando) nas administrações das Lojas, das Potências, dos Corpos Maçônicos, Academias, etc.
Que me perdoem os otimistas, mas essa pandemia e o isolamento social não veio para ajudar. Que me perdoem também os pessimistas, mas não vejo motivos para arrancarmos os últimos fios de cabelo de nossas veneráveis carecas, nem para roermos as unhas como crianças assustadas. “A virtude – diziam os antigos – está no meio”, e é pra lá que devemos voltar os nossos olhos.
Num e noutro caso (otimismo e pessimismo) há quem tire proveitos da situação. É próprio do nosso povo aquele jeitinho maroto de “levar vantagem em tudo”. Sendo assim, para nós que já estamos vacinados contra as pragas do cabotinismo, as estratégias em curso não afetarão a essência da maçonaria (não estou injuriando ninguém: cabotinismo vem de cabotino, ator ou comediante de categoria inferior, cômico ambulante).
Mas se estamos vacinados contra epidemias morais (será?), ainda não estamos imunizados contra a Covid.19 – este é o fato.
Muito se discute se a doença “existe ou não existe”; se é fatal ou não; se é jogada política ou mesmo um vírus que escapou de um laboratório pela janela deixada aberta pelo vigia noturno. A questão, racionalmente analisada, não pode ser colocada nesses termos. Ao iniciarmos o mês de agosto, quase todas as pessoas já conhecem casos dessa infecção entre amigos ou parentes. As estatísticas não servem de consolo, pois mesmo que seja 0,1% de mortes em dez, cem ou mil casos, cada vida perdida é uma perda irreparável. "Nenhum homem é uma ilha", disse John Donne.
... “cada átomo que pertence a mim pertence a você – disse o poeta Walt Whitman − estou atento a tudo e às suas ressonâncias.... Estou sempre chegando. Sou o poeta do corpo. E sou o poeta da alma. Os prazeres do céu estão em mim, os pesares do inferno também estão comigo. Não tenho cátedra, igreja nem filosofia; não conduzo ninguém à mesa de jantar ou à biblioteca ou à bolsa de valores, mas conduzo a uma colina cada homem e mulher entre vocês...”
MAS ISSO É POESIA!! Alguém poderá reclamar de mim. Sim – respondo – é poesia; e qual outra literatura ou certeza nos têm transmitido os “grandes isso” e os “grandes aquilo” que não seja a manutenção segura e tranquila de suas posições nas torres de marfim a que se elevaram? Posso estar com a visão bastante curta, mas o que vi até agora nessa metade de ano foram disputas políticas, lutas fratricidas entre poderes das repúblicas e o inexplicável silêncio dos autodenominados “líderes espirituais”.
Não tenho receitas para ensinar nem conselhos para vender. Se uma fração da minha tranquilidade, alcançada nesses quase 150 dias de reclusão, posso partilhar com vocês é a certeza de que podemos correr, mas não podemos nos esconder; “pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”. Fatos e notícias recentes provam isso.
Fatos e notícias recentes, sombras maçônicas descritas na câmara de reflexões: “se fores dissimulado, serás descoberto”; “se tens receio que descubram os teus defeitos, não estarás bem entre nós”.
Apesar de todos os esforços dos atuais sabidos para “mudar a maçonaria”, essas leis e princípio permanecem estáveis e, mais cedo ou mais tarde, os que esconderam suas fraquezas atrás dos aventais ficarão com a nudez exposta.
Fala de novo por mim o poeta Walt Whitman aos maçons mais jovens:
“Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada por você;
Você tem que percorrê-la sozinho.
Não é tão longe assim... está ao seu alcance.
Talvez você tenha andado nela a vida toda e não sabia,
Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a água e sobre a terra.
Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em frente!
Toparemos com cidades maravilhosas e nações livres no caminho.
Se você se cansar, entrega os fardos; descansa a mão em meu ombro;
E quando for a hora, você fará o mesmo por mim;
Pois após a partida não vamos parar mais.”
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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

CARTAS IMPONDERÁVEIS DO SEISCENTISMO


(Apesar de não ser assunto estritamente maçônico, compartilho com vocês essa atualização de um dos meus blogs abordando um livro interessante sobre a formação do Brasil.)
CARTAS IMPONDERÁVEIS DO SEISCENTISMO
JoséMaurícioGuimarães

Continuo aqui na minha reclusa Bastilha, encarcerado e lendo.
Que mais posso fazer senão repetir o que sempre fiz? Se para Camões estava a linda Inês, posta em sossego, e de seus anos colhendo doce fruito, "viva eu cá na terra sempre triste" - sem  Dinamene e sem Inês - "lendo na memória, lendo e transformando", como fazia Borges. 
Hoje estou de cócoras lendo e transformando as "Primeiras Cartas do Brasil", de Sheila Moura Hue (Jorge Zahar Editora, 2006). Sim, de cócoras - e não me venham os boçais do politicamente correto corrigirem minha postura.
A posição agachada, ou 'de cócoras', era a preferida dos índios do Brasil - e ainda é dos mineiros, quando proseiam com pito de palha nos beiços. 'De cócoras', dizem os dicionários, tem etimologia de controversa origem ou mesmo obscura. Mas eu cá na minha torre, preso e algemado pelos chineses da Dinastia Shang, desconfio que "cócoras" vem de "cocoriar", o mesmo que cantar e "acocar", sinonímia de acariciar.
É dessa forma que "Primeiras Cartas do Brasil", de Sheila Moura Hue, canta o seiscentismo de 1551 a 1555 e acaricia nossa imaginação. São dez cartas, as primeiras produzidas no Brasil, "diretamente do front dos descobrimentos" e impressas em Coimbra.
A primeira carta é do Padre Manuel da Nóbrega, dando "informações das partes do Brasil". E o padre comenta sobre os nativos: "... nenhuma coisa própria têm que não seja comum, o que um tem reparte com os outros, principalmente se são coisas de comer..." - donde se conclui que o bom socialismo já estava presente em Pyndorama, 318 anos antes do renânio-prussiano Karl Heinrich Marx.
Outra carta elucidativa selecionada por Sheila Moura Hue é a de Pedro Correia (um irmão, talvez leigo) que relata esse milagre a um padre, em 1554:
"... e agora, depois que começaram a ser cristãos (os índios) revelou Nosso Senhor uma mina de ferro, aqui em sua terra..." 
Continuo de cócoras e matutando sobre essas coisas e de como o Senhor dos Mundos, em sua Onisciência, Onipotência e Onipresença, põe de lado seus mais elaborados afazeres (como desenhar as asas das borboletas) para mostrar aos colonizadores, por mãos de inocentes índios, uma mina de ferro, outra mina de ouro e o caminho das esmeraldas.
Apenas penso com meus botões e não faço contradição da espécie. Se um jesuíta nos dá conta dessas histórias, devemos tirar o chapéu em súplice reverência.

sábado, 18 de julho de 2020

DOCUMENTOS PARA MAÇONS

DOCUMENTOS PARA MAÇONS
José Maurício Guimarães
    Salve, estimados Irmãos: Aprendizes, Companheiros, Mestres, Grandes Oficiais e Livres pensadores!     De uns anos prá cá, a maçonaria que praticamos ficou muito ilustrada, muito sabida, excessivamente douta e rebuscada. Isso é bom, muito bom. Felizmente temos Irmãos que agora leem Elias Ashmole no original inglês do Século dezessete, decifram e debulham o manuscrito Halliwell, Regius Poem em inglês arcaico ou mesmo em latim, etc etc etc...
    MAS (tem sempre um “mas”), algumas vezes nos descuidamos do que está bem debaixo dos nossos narizes. Falo daqueles documentos necessários à vida maçônica, ao bom desempenho das Lojas e funcionamento equilibrado das Potências. Falo, com todas as letras, da CONSTITUIÇÃO MAÇÔNICA da Potência, dos REGULAMENTOS e dos MANUAIS.     
    Sem medo de errar, digo que 80% dos maçons sequer leram uma linha de qualquer desses três documentos fundamentais. Se estivessem escritos em aramaico ou sânscrito, talvez muitos se interessariam por seus conteúdos. Mas não é essa a realidade... A maior parte de nossos esforços e tropeços vêm do lamentável fato de os maçons não conhecerem o conteúdo de nossas disposições legais. Estamos retidos em casa aguardando, pacientemente, o isolamento social devido à Covid19 passar. Certamente muitos estão sentindo falta do convívio fraterno e não sabem o que fazerem naquelas duas horas semanais de sábias, lúcidas e filosóficas sessões maçônicas. Pois aqui vai uma dica (uma sugestão) para ocuparem seus dias e noites de isolamento: ESTUDEM A CONSTITUIÇÃO, os REGULAMENTOS e os MANUAIS. Estudem também o Regimento e/ou Estatuto de sua Loja (se houver).
    E como sugestão para AGORA, e mesmo para DEPOIS da Pandemia, criem as Lojas programas de estudo desses DOCUMENTOS, num modelo mais ou menos assim:
“1) Todo Aprendiz deveria apresentar uma Peça de Arquitetura sobre a CONSTITUIÇÃO; 2) Todo Companheiro deveria apresentar uma Peça de Arquitetura sobre os REGULAMENTOS; 3) Todos os Mestre (sim, MESTRES!!!) devem apresentar uma Peça de Arquitetura sobre o MANUAIS...”
... ou vice-versa, ou versa-vice: um programa qualquer que valorize o estudo e a discussão de como a Potência funciona e/ou deveria funcionar em relação às Lojas e a cada maçom. Esse programa de estudos pode começar agora, mesmo sem reuniões presenciais – os trabalhos ou exposições dessas teses poderiam ser divulgados nos e-mails das Lojas ou em reuniões virtuais.
Fica dado o recado

segunda-feira, 13 de julho de 2020

POR QUE OS VIGILANTES LEVANTAM e ABAIXAM SUAS COLUNETAS?



POR QUE OS VIGILANTES LEVANTAM e ABAIXAM SUAS COLUNETAS?
José Maurício Guimarães

Boa pergunta! Por que os Vigilantes levantam e abaixam suas colunetas? Uns dirão que é por tradição; outros hão de jurar de pé junto que a razão é esquisotérica. Você poderá ouvir alguém dizer que é questão ufológica: quando a coluneta está levantada, os ovnis podem levantar voo; quando estão deitadas, é para a nave mãe aterrissar.
Esses enigmas não acontecem, pelo que sei, em todas as Potências e/ou Obediências. Confirmo o hábito de levantarem e abaixarem colunetas na Grande Loja de Minas Gerais onde sou filiado. A maçonaria brasileira, contudo, é bem diversificada – muita coisa foi acrescentada por não sei quem (e ninguém sabe quem ou "quems"), nem onde, nem quando, nem a que preço. 
Mas deve haver uma razão, nem que seja de cunho transmutacional-episcopal. Se não, vejamos:  
Por que os Vigilantes levantam e abaixam suas colunetas? Uma Ordem que prega o uso da razão não pode balançar a cabeça diante de artigos de fé ou dogmas.
Se fôssemos uma escola de faquires, bastaria ficarmos olhando fixamente para a parede durante uns quinze minutos, sem piscar, e nos ocorreriam trezentas e sessenta e cinco explicações. A mente humana é prodigiosa: vê elefantes nas nuvens e o futuro dos homens na borra de café (cafeomancia).
Sempre evitei responder o porquê dessas ritualísticas mutantes e fiquei com os dois pés atrás diante das tais colunetas. Na verdade, eu nunca soube por que os Vigilantes levantam e abaixam esses apetrechos... e não ficaria bem para um maçom inventar explicações para coisas que não sabe.
Felizmente, a resposta veio da boa e velha França... (mais boa do que velha). Não vou indicar a fonte, pois Monsieur le professeur – um autêntico Pangloss de Voltaire − não me permite divulgar seu nome nem sua linhagem jacobina nem como ele consegue estar vivo e forte aos 119 anos. Mas garanto que o homem sabe o que fala; ele pensa em sânscrito e responde em francês baudelairiano. Nós é que sonhamos em javanês.
Vamos lá:
Para começo de conversa, as colunetas de aproximadamente 35 centímetros representavam, nos antigos rituais, as duas colunas do pórtico do Templo de Salomão − e não duas colunas gregas como essas (dórica e coríntia) que os desinformados inventores de maçonarias mandaram fabricar para os altares do norte e do sul.
Poderíamos parar por aqui e voltarmos só no ano que vem, quando essas colunetas fossem retificadas; ou quando os maçons brasileiros se dessem conta de que não há trono de Salomão no Templo. O Rei Salomão oficiava em seu palácio, noutra extremidade de Jerusalém. Quem oficiava no interior do Templo era o Sumo-Sacerdote, uma vez por ano. Leiam a Bíblia; está tudo lá. Não é ela o "Livro da Lei"? 
O Templo maçônico, tomado ao pé da letra e tautologicamente, tem pouco ou nada a ver com o Templo "de Salomão". Podem brigar comigo, sinto muito dizer essa verdade. Para quem não acredita, aconselho a leitura e estudo do livro "O Templo do Rei Salomão na Tradição Maçônica", de Alex Horne (da Quatuor Coronati Nº2076 da Grande Loja Unida da Inglaterra, UGLE − a primeira Loja de Pesquisas da história).
É mais absurdo falar de "templo maçônico de Salomão" do que estudar as raízes tradicionais da maçonaria na Ordem dos Templários. Assim, cada um escolhe suas teorias de acordo com seus conhecimentos... ou suas ignorâncias. Todas essas questões envolvem: 1) simbolismo; 2) simbologia (que não é a mesma coisa); 3) história e 4) antropologia − apesar de que nenhum de nós precisa ser doutor nessas áreas: basta usar o bom senso (conhecido entre nós por "juízo"). 
Já dizia Millôr Fernandes: "Há os que não sabem antropologia e os que ignoram trigonometria; mas de mim ninguém pode falar nada, pois minha ignorância não é especializada”. 
É esse o meu caso − pois tudo que não sei sempre ignorei sozinho... e prossigamos.
Nos antigos rituais essas colunetas ficavam com cada um dos Diáconos e não com o Vigilante. Sim, pois entre os operativos havia apenas um Vigilante. Só com os especulativos é que passaram a existir dois Vigilantes. Espero que os modernos "maçonólogos" não venham criar um "terceiro vigilante", pois na cabeça deles tudo tem que ser "três", da mesma forma que tudo é prego para quem tem cabeça de martelo.
Pois bem (ou pois mal), os Diáconos erguiam essas colunetas conforme a Loja estivesse aberta ou em descanso (em legítimo escocês: 'chamar do descanso ao trabalho e do trabalho à recreação').
Só no final do século XVIII é que providenciaram para que as colunetas ficassem com os Vigilantes; 'erguer e abaixar' foi uma inserção posterior, de 1780. As interpretações dualistas é que inventaram esse negócio de levantar uma e abaixar outra (como se maçonaria fosse apenas saber dar um nó na gravata e outro na cabeça dos neófitos); ninguém poderia conceber que uma coluna ficasse na vertical (prumo) e a outra não passasse para a horizontal (nível). O fato é que ambos (Vigilantes ou Diáconos) levantavam ou abaixavam ao mesmo tempo: as duas colunas em pé queriam dizer trabalho na Loja; deitadas, era descanso. Não podemos imaginar que a coluna do Primeiro Vigilante fique de pé (trabalho na Coluna do norte) e a do Segundo Vigilante permaneça deitada (todos dormindo na Coluna do sul), e/ou vice-versa.
No Templo de Salomão, as únicas duas colunas do pórtico estavam sempre de pé; quando ficaram na horizontal foi uma verdadeira tragédia: invadiram a cidade e destruíram o Templo... além do que uma levantada e outra abaixada é coxear e tombo na certa.
Finalizando com essa ironia, Monsieur le professeur respondeu, em francês, minha consulta. Aliás, nossa consulta, pois muitos Irmãos estavam perguntando o sentido disso e eu sempre respondi que não sabia. Agora sabemos.
Mas cuidado com a gramática: abaixar significa tornar-se baixo, descer ou passar de um nível alto para outro menos elevado; baixar, como verbo intransitivo, é outra coisa: "O Sol baixa no poente" (adjunto adverbial de lugar). Do mesmo modo, uma Loja não "bate" colunas, mas "abate" colunas. 
... e que ninguém se meta a mudar Rituais; deixem com está, pois Ritual é lei maçônica e, como tal, tem que ser obedecido. Se preciso for alterar alguma coisa, formem uma comissão de estudiosos e não um agrupamento de amigos.
Esse pequeno artigo é apenas uma divagação... "C'est une fantasie à moi", uma ilustração histórica sobre  dos antigos e maçonaria dos modernos.
Au revoir, mes amis!
(Ou, melhor ainda: adieu, my kith que é o modo escocês de burlar a vigilância da Coroa.)

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