quarta-feira, 19 de agosto de 2020

20 DE AGOSTO: O DIA QUE NÃO É

20 DE AGOSTO: O DIA QUE NÃO É

                                     José Maurício Guimarães  

Há mais de 15 anos venho publicando este mesmo artigo sobre o DIA DO MAÇOM. A pergunta inicial seria: “por que celebram o dia 20 de agosto como “dia do maçom”?

Essa extravagante comemoração em 20 de agosto foi adotada a partir de um equívoco cometido por José Maria da Silva Paranhos que interpretou mal as datas ao desconsiderar a relação entre o calendário oficial e o cômputo dos dias adotado pela Maçonaria. A patusca desordem teria parado nessa “cronologia” se infundadas decisões não viessem somar-se às já anteriormente existentes.

Antes porém, vejamos o que diz a história recente sobre o "Dia Internacional do Maçom" instituído em data de 22 de fevereiro de 1994.

Por ocasião da Reunião Anual dos Grão-mestres das Grandes Lojas da América do Norte, realizada nos dias 20, 21 e 22 de fevereiro do ano de 1994, o Grão-Mestre da Grande Loja Regular de Portugal, Irmão Fernando Paes Coelho Teixeira, sugeriu que no dia 22 de fevereiro fosse comemorado o Dia Internacional do Maçom em homenagem à data de nascimento de George Washington. Conta-nos o Irmão Pedro Juk que, naquela ocasião, na presença das Grande Loja Unida da Inglaterra, Grande Loja Nacional Francesa, das Filipinas, GL Regular da Grécia, de Portugal, Grande Oriente do Brasil, Grande Oriente da Itália, etc. “houve a concordância de que ficasse estabelecido, a partir daí o Dia Internacional do Maçon em 22 de fevereiro homenageando assim o Irmão George Washington, fato que seria então comemorado por todas as Obediências Regulares”. Isso aconteceu, portanto, 26 anos atrás e, não obstante, ainda nos mantemos turrões celebrando o 20 de agosto.

Mas de onde veio essa ideia? Há 15 anos eu demonstro o porquê, apesar de os simplórios me acusarem de “querer mudar a data” ou de me preocupar com “irrelevâncias”. Nem uma coisa nem outra: não quero mudar nada, eu sou um mero estudioso; quanto a irrelevâncias, quem não as cultiva? Portanto, para não perder o antigo hábito, aqui vai, de novo e pela décima-sexta vez a demonstração de que 2+2 somam 4.

SOBRE OS CALENDÁRIOS: No século dezenove a Maçonaria adotava oficialmente o ano da Verdadeira Luz - Anno Lucis ou Year of Light - conforme a crença de que o mundo fora criado em 4000 a.C. ou que nesta auspiciosa data a Luz Verdadeira teria sido conferida a Adão. No século dezenove, nossos Irmãos contavam os meses e dias de acordo com o calendário “da natureza”, começando o ano em Nissan, mês que marca o início da primavera no hemisfério norte e outono no sul. No calendário judaico, os meses podem ter 29, 30 ou 31 dias dependendo da lua nova. Por isso as festas são móveis: Korban Pesach, Shavuot, Rosh Hashanah, Yom Kippur, Hanukkah, etc. e, pela mesma tradição, a Páscoa católica é celebrada no primeiro domingo seguinte à primeira lua cheia eclesiástica que ocorre no dia do equinócio de primavera ou o seguinte a ele; o Corpus Christi vem 60 dias depois da Páscoa e assim por diante.

SOBRE AS DATAS: Entre os dias 17 de junho e 25 de outubro de 1822 foram realizadas dezenove sessões no Grande Oriente Brazílico (assim era o nome, com z). Entre elas, a do VIGÉSIMO DIA DO 6º MÊS DA VERDADEIRA LUZ DE 5822, ou seja – no dia 9 de setembro de 1822. O sexto mês, a contar de Nissan, é Elul, na passagem de agosto para setembro. Já o ano 5822 é a soma de 4000 Anno Lucis ao ano civil 1822. Nessa célebre sessão de 9 de setembro de 1822 (vigésimo dia do 6º mês da verdadeira luz de 5822) os Irmãos, sem terem tomado conhecimento do que acontecera em São Paulo dois dias antes (7 de setembro), atenderam à moção do Irmão Joaquim Gonçalves Ledo (Primeiro Vigilante empunhando o primeiro o malhete na ausência do Grão-Mestre José Bonifácio de Andrada e Silva) e proclamaram, em Loja, a Independência cuja legalização iriam submeter e atribuir a D. Pedro. Naquele tempo, a distância entre o Ipiranga (São Paulo) e o Rio de Janeiro era de aproximadamente 7 a 9 dias a cavalo da raça quarto de milha. Mas, as notícias vinham nos lombos de simples mulas! Podemos dizer, portanto, que a proclamação da Independência foi intelectualmente articulada dentro do Grande Oriente Brazílico. Mas, o vibrante discurso do Irmão Gonçalves Ledo, fazendo sentir a necessidade da Independência, aconteceu no dia 9 de setembro. O grito já havia sido dado. Ledo e os demais Irmãos só tomaram conhecimento disso mais tarde.  SOBRE A CARTA: Conta-nos o padre Belchior, em carta de 1896, que no dia 7 de setembro de 1822, o Príncipe D. Pedro mandou-o ler em voz alta as cartas trazidas de Portugal. Ali mesmo, às margens do Ipiranga, tremendo de raiva, D. Pedro arrancou das mãos do padre os papéis e, amarrotando-os, pisou-os sobre a relva. “D. Pedro – diz textualmente a carta - caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro e outros, em direção aos nossos animais, que se achavam à beira da estrada. De repente estacou-se, já no meio da estrada, dizendo-me: - Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me, com desprezo, de rapazinho e brasileiro. Pois verão agora o quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações: nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal! E arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas Cortes, como símbolo na nação portuguesa, atirou ao chão, dizendo: - Laços fora, soldados! Viva a independência, a liberdade, a separação do Brasil.” E - prossegue o padre Belchior – “galopou, seguido de seu séquito, em direção a São Paulo (...) mal apeara da besta, D. Pedro ordenou ao seu ajudante de ordens que fosse às pressas ao ourives Lessa e mandasse fazer um dístico em ouro, com as palavras “Independência ou Morte”, para ser colocado no braço, por um laço de fita verde e amarela.” (O G.O.B. tornou público e oficial o Ato que mostra ser o 7 de setembro correspondente ao 18º dia do VI mês Elul.)

MÁRIO BEHRING DEFINE E UNIFORMIZA AS DATAS: Em Ato de 1922, ano do centenário da Independência e do Grande Oriente do Brasil, o então Grão-Mestre Geral do G.O.B., Irmão Mário Behring, visando dirimir dúvidas sobre a relação das datas do calendário oficial e o cômputo dos dias adotado pela Maçonaria, definiu os principais eventos do calendário usado na época da Independência, quando o ano maçônico começou em Nissan, finais de março. Eis alguns excertos na grafia da época: (...) 5º - Iniciação do Principe Regente como maçon, na Loja “Commercio e Artes” a 2 de Agosto de 1822, da E.: V.:, 13 do V mez do anno de 5822, da V.: L.:, donde resultou sua mais intima ligação com a Independencia, como se verifica do seu manifesto de 6 do mesmo mez; 6º - O grito de Independencia ou Morte, dado pelo Principe Regente nas margens do Ypiranga, 7 de Setembro de 1822, da E.: V.:, 18 do VI mez do ano de 5822, da V.: L.:, e proclamação da Independencia votada nas sessões do Grande Oriente do Brasil a 9 e 12 de setembro do mesmo mez e por editaes do Senado e da Camara do Rio de Janeiro, de 21 do dicto mez e anno; 7º - Finalmente, a posse do Principe Regente como Grão Mestre da Maçonaria no Brasil, a proclamação do Imperio e a aclamação do Principe a Imperador Constitucional do Brasil e seu Defensor Perpetuo, a 4 de outubro de 1822, da E.: V.:, 14 do VII mez do anno de 5822, da V.: L.:, e designação do dia 12 do mesmo mez (22-VII-5822) para se tornar publico e official esse acto”.

CONSUMAÇÃO DO ERRO:

Apesar dessa clareza, o Irmão Osvaldo Teixeira, da Loja “Acácia Itajaiense” de Santa Catarina encaminhou, de boa-fé, uma proposta à reunião da Confederação das Grandes Lojas – realizada em Belém entre os dias 17 e 22 de junho de 1957 – sugerindo o dia 20 de agosto como “Dia do Maçom” por ter sido a data da “proclamação da independência dentro de um templo maçônico”. Equivocou-se. Mas os presentes à reunião, talvez desconhecendo o Ato do então Grão-Mestre do G.O.B. – e posterior fundador das Grandes Lojas, Irmão Mário Behring – aceitaram, na febre do entusiasmo e também de boa-fé, seguindo a interpretação canhestra de José Maria da Silva Paranhos. Acertaram quanto ao mês (Nissan = agosto/setembro), mas erraram ‘quadraticamente’ sobre o vigésimo dia. Num ímpeto de desatenção, esqueceram que Nisan não começa em 1º de março, e sim no equinócio de outono entre 20 e 23 de março conforme a lua. Por falta de estudo e bom assessoramento (como sempre) ficou consagrado o erro de vinte dias pelos motivos assim demonstrados. Hoje, as potências brasileiras consideram o dia 20 de agosto como “o dia do Maçom”, data que não coincide com os fatos históricos nem com a tradição maçônica. 

Sei que estas considerações poderão provocar polêmicas intermináveis, mas não é este o meu propósito. Apesar disso, aceito quaisquer correções que me enviarem com base em dados históricos e/ou documentos. De fato, só existem dois caminhos a seguir: 1) a coragem e a “modesta altivez” de corrigir o erro e definirmos uma data coerente para as celebrações do dia do Maçom ou 2) deixar tudo como está. Se a tradição consagrada nesses últimos 53 anos é mais importante do que a transmissão da verdade histórica para as futuras gerações, que seja assim. 

 

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