sábado, 27 de fevereiro de 2021

ALEGORIA INICIÁTICA

 

 ALEGORIA INICIÁTICA
José Maurício Guimarães

Os artistas representam essas alegorias sem muito rigor com o que acontece nas cerimônias do Templo. Mas expressam algumas ideais conforme um entendimento pessoal e próprio da cultura e estudo que tiveram. No meu modo de ver, o simbolismo maçônico tradicional não pode (nem deve) ser analisado apenas pelo prisma do que costumamos chamar “Rito Escocês Antigo e Aceito”. A Maçonaria tradicional tem outros cânones infelizmente desconhecidos da maçonaria brasileira, onde tudo é feito e “ensinado” de acordo com uma visão compartimentada, visões essas que visam apenas atender às explicações imediatistas durante 15 minutos ou meia-hora dedicados em Loja para estudos tão profundos sobre a “evolução” cultural e psicológica da humanidade.
Nessa alegoria vejo (conforme meu entendimento pessoal e estudos próprios em outras iniciações, organizações iniciáticas, filosóficas e leituras que fiz) o seguinte:
1) O profano sendo conduzido, aterrorizado, para a câmara de reflexões onde é colocado face a face com a realidade da morte e elabora seu testamento. Um guia o acompanha, mas não entra com ele nessa câmara. Ao elaborar seu testamento (na verdade, ele TOMA CONSCIÊNCIA DE QUE É UM SER MORTAL), o iniciando se esquece do mundo profano onde prevalecem a vaidade e cobiças. Ele cai em sono profundo (alheamento ao mundo de onde veio) até se dar conta de que CONTINUA encarcerado no seio da terra (VITRIOL e/ou “o mito da caverna, segundo Platão); trata-se de uma caverna com paredes de pedras pontiagudas; mesmo assim, ele se dispõe a sair, pois já está esquecido dos perigos do mundo exterior.
2) Ao sair dessa caverna, ele contempla uma LUZ TERRENA (o fogo, “conscience” em inglês *) que não consegue suportar; daí, ele cobre os olhos com a mão, semelhante à atitude de Moisés ao contemplar a sarça ardente no monte Sinai. Repare que em todas essas etapas (com exceção da primeira figura) não existe a figura de um guia acompanhando o iniciando; ele está sozinho.
3) De repente, surge de novo o guia que lhe apresenta o estágio ainda adormecido de sua Consciência  ̶  “conciousness” em inglês (**)  ̶  representada pela mulher que se contempla no espelho das ÁGUAS (ilusão da mente. O iniciando abre as mãos num gesto de acolhimento e disposto a recebê-la (mito de Orfeu que resgata Eurídice do sono e sombras do Hades) e se dispõe a caminhar com ela em direção à LUZ ETERNA (lux eterna).

Os estágios ainda adormecidos da Consciência sempre foram representados pela ÁGUA (segundo Edward F.Edinger em “Anatomia da Psique”): água >> Lua >> Mulher: “o sol e a lua têm sua origem nesta água, sua mãe, sendo necessário que nela voltem a entrar, isto é, no útero de sua mãe, para que possam ser regenerados ou nascer de novo, e com mais saúde, mais nobreza e mais força” (assim descrito nos tratados de alquimia – “Secret Book of Artephius”, in “The Lives of the Alchemystical Philosophers). O mesmo aparece de forma aparentemente misteriosa quando Jesus disse:

Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo" (João 3:3) - Perguntou Nicodemos: "Como alguém pode nascer, sendo velho? É claro que não pode entrar pela segunda vez no ventre de sua mãe e renascer!" E a resposta foi: “ O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (João 3: 8).

Jesus falava simbolicamente (por parábolas) à moda dos pensadores do Oriente: “nascer de novo” não quer dizer nascer outra vez; “o vento” e “a voz do vento” não significam o vento comum que conhecemos - o ar atmosférico em movimento – nem iríamos imaginar que o ar atmosférico tivesse “voz”.  

Essa mulher deitada, com a cabeça apoiada num dos braços e fitando a água, não foi retratada assim por acaso. Veja que ela parece alheia a tudo o que acontece em volta – é uma inconsciência, um mergulho do pensamento nas profundezas da água, em busca de renascimento (a vida vem das águas). Mas o renascimento físico é uma ilusão da mente; por isso o iniciando abre as mãos num gesto de acolhimento e disposto a receber a “mulher” e caminhar com ela em direção à luz eterna.

Esse simbolismo deve ser visto como algo que opera por meios metafóricos e alegóricos. Não existe essa água, nem esse lago, nem essa mulher inerte às margens. Útero, mulher e renascimento são palavras que designam outras “realidades” que têm uma relação de SEMELHANÇA. São modos de expressão ou interpretações que consistem em representar pensamentos ABSTRATOS e ideias sob forma figurada. Todo o pensamento antigo fez uso dessas técnicas e método de interpretação: os pensadores gregos, os textos homéricos, por meio dos quais se pretendia descobrir ideias ou concepções filosóficas embutidas figurativamente nas narrativas. A Maçonaria nasceu dessas técnicas (os “Antigos Aceitos” eram todos filósofos, muitos deles membros da Royal Society); mas com as lutas pelo poder  e exageros das vaidades pessoais tais técnicas e interpretações se perderam.

4) Finalmente, no alto da figura, aparece o iniciando agora vendado (pois a LUZ ETERNA não pode ser olhada pelos mortais); ele caminha de mãos dadas com o iniciador (hierofante) em direção ao TEMPLO INEFÁVEL.
- - - - - - - - - - - - - - - -
(*) em português temos uma só palavra para esses conceitos, mas em inglês, “conscience” quer dizer inquietação espiritual dotada de sentido moral, assimilação do caráter íntegro, remorso pelos erros passados, objeção ao mal, etc...
(**) por sua vez, “conciousness” quer dizer percepção interna, realização íntima, sentido de “si mesmo” (self para Jung).


ALEGORIA INICIÁTICA

    ALEGORIA INICIÁTICA José Maurício Guimarães Os artistas representam essas alegorias sem muito rigor com o que acontece nas cerimônias do...