domingo, 20 de setembro de 2020

A CRUZADA DAS CRIANÇAS

A CRUZADA DAS CRIANÇAS José Maurício Guimarães

Qual a natureza, extensão e causas da violência contra crianças? Especialistas propõem adoção de medidas destinadas a prevenir e responder às situações em que ocorrerem atos de violência contra as crianças que, em grande parte continuam acontecendo dentro dos próprios lares. Os crimes contra crianças incluem violência física, abusos de natureza física e psicológica, discriminação, negligência e maus tratos. Um dos aspectos da violência psicológica é impor determinados comportamentos ou compromissos às crianças ou jovens, incompatíveis com sua capacidade de julgar e tomar decisões.

Um caso deste tipo ocorreu por volta de 1212, no noroeste da França, quando um pastorzinho de Vendôme, chamado Stephen de Cloyes, arrastou consigo um grupo enorme de crianças para combater contra os infieis na Terra Santa. Esse movimento, ocorrido entre a Terceira e a Quarta Cruzada, foi denominado “Cruzada das Crianças” e baseava-se numa convicção religiosa de que apenas as almas puras (das crianças) poderiam libertar Jerusalém. Stephen de Cloyes dizia ter sido visitado por Jesus que o teria incumbido de liderar aquela “Cruzada dos Inocentes”. Muitos autores dos séculos XVIII e XIX tentaram desmentir esse fato e ainda há professores que dizem ser uma lenda as aventuras de Stephen. 

Mas na época – dizem os cronistas de antanho, Stephen foi estimulado por adultos, especialmente o clero católico, que convenceu o céu ao pastorzinho se ele conduzisse seus seguidores às margens do Mar Mediterrâneo, onde as águas haveriam de se abrir para lhes dar passagem “a pé enxuto”, como no êxodo protagonizado por Moisés. Assim, avançariam até Jerusalém conduzidos por uma legião de anjos.

Com essa história, Stephen atraiu uma multidão de mais de 30.000 pessoas e dirigiu-se para Saint Denis onde foi visto praticando milagres, promovendo algazarra e transgressões de todo tipo. Tentando coibir os abusos, o rei Filipe Augusto da França foi ao encontro da meninada e ordenou que todos voltassem para suas casas. Como não obedeciam, pois só tinham ouvidos para os gritos fanáticos do pastorzinho Stephen, o rei Filipe Augusto não vislumbrou outra alternativa: despejou a soldadesca em cima da criançada, causando pânico e machucaduras

graves. Muitos morreram pisoteados pelos cavalos ou atingidos por lanças. Mas a ideia ressurgiu com a notícia de que Constantinopla havia sido saqueada e que os cristãos não podiam confiar nos adultos. Deturpando as palavras de Jesus ("vinde a mim as criancinhas porque delas é o Reino") alguém reorganizou a violência com base nos ideais do pastorzinho. Cinquenta mil crianças foram colocadas em navios saindo do porto de Marselha rumo a Jerusalém. Crianças e jovens, na maioria entre 8 e 17 anos – meninos e meninas – deixaram suas casas e qualquer outra coisa que estivessem fazendo. Surdos ao apelo dos pais, respondiam que caminhavam "para Deus". Fugiam de casa às escondidas, como que magnetizados. Por onde passavam, pediam esmolas, distribuíam ou solicitavam bênçãos. Maioria daquelas crianças morreu no caminho, de frio, fome e doenças.

Dois dos navios afundaram nas costas da Sardenha; a peste atingiu outras embarcações e algumas chegaram ao Egito com dezenas de mortos a bordo. Os sobreviventes foram vendidos como escravos pelos turcos no norte da África. Vários meninos e meninas escaparam, se dispersaram e acabaram sendo recapturados ou sequestrados. Foram escravizados e seviciados.

Os professores ingleses Christopher Tyerman, do Hertford College, em Oxford, e Malcolm Barber, da Universidade de Reading apresentam outras versões e interpretações sobre a “Cruzada das Crianças”. Há opiniões, talvez movidas por suspeitos interesses, que tentam incluir essa tragédia na lista das lendas e fantasias medievais. Todavia, a história está documentada. Consta dos textos dos principais cronistas da época, entre eles o frade dominicano Vincent de Beauvais e o "doutor admirável" , frade e filósofo Roger Bacon.

Vestígios desse episódio chegaram aos dias de hoje num conto folclórico intitulado "O Flautista de Hamelin" reescrito pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm.

CONCLUSÃO: Todo entusiasmo é susceptível de se transformar em fanatismo. A educação religiosa e a introdução de crianças e jovens no pensamento iniciático devem ser feitas com muito critério, sempre acompanhadas dos pais e de especialistas em psicologia e pedagogia. Não se deve admitir apenas o amadorismo, diletantismo ou mera "boa vontade" nesse particular.


 

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